Conheça, em detalhes, a história do icônico personagem paulista que a imprensa e muitos movimentos de esquerda têm como objetivo transformar em genocida
Antes de nos aprofundarmos na história e conhecer um pouco mais sobre a vida do Borba Gato, é preciso tocar em alguns pontos para que o contexto histórico seja levado em conta com a finalidade de não sustentar narrativas anacrônicas:
- Os bandeirantes não eram “colonizadores”, mas nativos da terra que não falavam português, apenas a língua geral paulista que deriva do tupi;
- Quase todos caboclos ou indígenas (como o Cacique Tibiriçá, líder bandeirante) eram frequentemente reprimidos pelos portugueses;
- Eles não estavam a serviço da Igreja Católica para catequizar indígenas, muito pelo contrário, eram quase todos pagãos;
- Também não eram latifundiários ou trabalhavam para senhores de engenho;
- Borba Gato não fazia parte das bandeiras de apresamento, mas de mineração e não teve nada a ver com genocídio indígena;
- “Paulistas”, como eram chamados os bandeirantes, não eram apenas os nascidos onde hoje é o estado de SP, pois a capitania de São Paulo, até o início do século XVIII, abarcava também os territórios que hoje são MG, PR, GO, MT, MS, TO e RO. Todos os nascidos nessas regiões, de ocupação bandeirante, eram paulistas.
Levantamento de informações
O texto a seguir foi extraído do livro Cadernos Paulistas: História e Personagens pp 144-147, organizado por Zélio Alves Pinto e editado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. O capítulo em questão foi escrito por John Manuel Monteiro, professor livre-docente do departamento de Antropologia da Unicamp, autor de Negros da terra, índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. O material a seguir foi transcrito pela Luciana Toledo. Boa leitura!
Personagens IV – Manuel de Borba Gato
Nome mais conhecido pela enorme e grotesca estátua que se tornou um dos principais marcos da cidade de São Paulo, Manuel de Borba Gato é, para muitos, sinônimo de bandeirante paulista. No entanto, o pouco que se sabe de sua vida vem da mistura de dados históricos concretos, que aparecem esporadicamente nos antigos registros documentais e de elucubrações memorialísticas.
De fato, já no século XVIII, diversos autores começaram a construir uma imagem de audácia, brio e aventura em torno da memória de Borba Gato, emblema por excelência da grandeza e independência dos paulistas.
Nascido em data incerta no seio de uma das principais famílias do bairro rural de Santo Amaro, Borba Gato assumiu um lugar importante na sociedade quando casou com Maria Leite, filha do poderoso Fernão Dias Pais.
Seguindo a tradição paulista, que dava papel de destaque aos genros, Borba Gato associou-se à ambiciosa empreitada do sogro em busca de prata e das pedras preciosas, partindo para o sertão das futuras Minas Gerais em 1674.
Sediada no arraial de Sabarabuçu, onde, alguns anos depois, desabrocharia um dos principais centros de mineração, a expedição apontava para mudanças nos rumos do sertanismo paulista na segunda metade do século XVII.
Se, por um lado, a busca de metais e pedras preciosas refletia as diretrizes e demandas metropolitanas numa conjuntura de crise fiscal e monetária, ao mesmo tempo as explorações nas serras mineiras retomavam antigas incursões rumo às cabeceiras do São Francisco e ao lendário morro resplandecente de Itaberaba-uçu.
Fernão Dias, o sogro
Conhecidas dos antigos sertanistas desde o final do século XVI, as regiões do sul e leste mineiro tornaram-se novamente objeto das viagens em busca de cativos indígenas devido às dificuldades enfrentadas pelos preadores de escravos do sul, com a resistência guarani e jesuística rechaçando diversas tropas de paulistas.
O próprio Fernão Dias Pais havia se consagrado como articulador de grandes expedições de apresamento nas décadas de 1630 e 1640, deslocando um elevado número de cativos do sertão para as suas propriedades ao longo do Rio Tietê, próximo à vila de Santana de Parnaíba.
A expedição de 1674, segundo relata o genealogista Pedro Taques de Almeida Pais Leme, também visava à “conquista dos inimigos índios do reino Mapaxó”,1 provável referência de um conjunto de grupos botocudos da região do rio Doce.
Não é de admirar, portanto, que o principal resultado da prolongada expedição de 1674 tenha sido a remessa de cativos índios para a vila de São Paulo, confirmada pela presença constante de referência a grupos étnicos dessa região nas listas de índios em inventários abertos em São Paulo nas décadas de 1670 e 1680.
De resto, a expedição padeceu grandes misérias, enfrentando a fome, diversos motins e graves epidemias, uma das quais ceifando a vida de centenas de índios e do próprio Fernão Dias em pleno sertão, em 1681.
Relações conturbadas com o cobrador de impostos
Naquela altura, o Governador das Esmeraldas encontrava-se isolado e endividado, contando apenas com o apoio do seu filho Garcia Rodrigues Pais e do genro Manuel de Borba Gato. Enquanto o filho regressou a São Paulo com os ossos do pai, apresentando as pífias amostras de pedras reluzentes, o genro permaneceu no “sertão das esmeraldas e arraial do Sumidouro”.
Seu principal objetivo, além de dar sequência ao apresamento indígena e à busca de prata e esmeraldas, era o de defender interesses particulares em face de uma nova ameaça: a presença de um representante da Coroa, o nobre de origem espanhola D. Rodrigo Castelo Branco, nomeado administrador-geral das minas, minas aliás ainda não oficialmente descobertas.
A relação entre Borba Gato e D. Rodrigo foi tensa desde o início. De acordo com Pedro Taques, o paulista queria dar sequência às atividades sertanistas, porém o representante da coroa portuguesa preferiu permanecer numa espécie de “amortecimento”, “aplicando-se só a mandar fazer caçadas de aves e animais terrestres para o regalo e grandeza da sua mesa”.
Num confronto entre os dois, “o sobredito Borba se precipitou tão arrebatado de furor, que dando em D. Rodrigo um violento empuxão o deitou ao fundo de uma alta cata, na qual caiu morto”.2
Esta versão foi modificada posteriormente por outros autores, isentando-o da culpa pelo assassinato. Assim, Baltazar da Silva Lisboa, nos Anais do Rio de Janeiro, afirmou que “os criados de um Manuel Borba Gato, morador do rio das Velhas, o haviam morto.3
Aliás, é isso que sugere o relato oficial do governador do Rio de Janeiro à Coroa, informando que Castelo Branco fora vítima de uma emboscada, recebendo três tiros de pessoas desconhecidas. De qualquer modo, Borba Gato parece ter assumido a responsabilidade, porque fugiu em seguida, embrenhando-se nas matas do rio Doce, coração do chamado reino dos mapaxós.
Participação em outros eventos
Segundo o interessante relato de Bento Fernandes Furtado, registrado pelo ouvidor Caetano Costa Matoso em meados do século XVIII, Borba Gato “viveu barbaramente, sem recurso de sacramento algum […] naquele modo de vida, nem comunicação com mais criaturas deste mundo em dezesseis anos”.
Quanto às criaturas daquele mundo, Borba Gato teria estabelecido relações com os índios cujos nomes não aparecem neste relato, “aos quais domesticou à sua obediência, e ficou entre eles, respeitado como cacique, que é o mesmo que príncipe soberano entre eles”.4
A descrição desse príncipe entre os selvagens é bastante sugestiva, pois mostra a ambiguidade do processo de conquista dos índios e a complexidade das relações entre paulistas e nativos do sertão.
Do mesmo modo, o grau de isolamento absoluto é questionável, uma vez que existem informações sugerindo que, poucos anos depois do seu exílio, Borba Gato teria participado, em 1689, da descoberta de ouro e do estabelecimento de um arraial denominado Barra da Velhas, às margens do rio São Francisco.
Também parece provável que já se conhecia a existência de ouro próximo aos antigos arraiais estabelecidos pelo seu sogro ainda na década de 1670, porém pouca importância foi atribuída a isso, porque o objetivo principal das pesquisas residia na busca das minas de prata.
Foi, contudo, o valor desse conhecimento que serviu para garantir o perdão concedido pelo governador Arthur de Sá e Meneses em 1700, seguido pela concessão de terras no rio das Velhas e nas “chapadas da serrania de Itatiaia”5 e pela nomeação como superintendente das minas daquele distrito.
Apesar de ter confrontado Manuel Nunes Viana no período preliminar da chamada Guerra dos Emboabas, em 1708, Borba Gato permaneceu estranhamente ausente no conflito principal, conforme observa o historiador Charles Boxer.
As últimas notícias da vida desse paulista, que passou a maior parte da vida fora de São Paulo estão registradas na sesmaria que obteve no Caeté em 1711 e no exercício do cargo de juiz ordinário na câmara municipal de Sabará em 1718, mandato inconcluso, pois faleceu naquela vila no mesmo ano.
Notas de rodapé
- Sobre essa expedição e os mapaxós, ver Pedro Taques de Almeida Pais Leme, Nobiliarquia paulistana, histórica e genealógica (São Paulo/Belo Horizonte: Edusp/Itatiaia, 1980), vol. 2, pp 44-45; vol. 3, pp 67-69.
- Ibid., vol 2, p 54.
- Baltazar da Silva Lisboa, apud Manuel E. de Azevedo Marques, Apontamentos históricos, geográficos, biográficos, estatísticos e noticiosos da Província de São Paulo (3a ed. São Paulo/Belo Horizonte: Edusp/Itatiaia, 1980) p. 92.
- Luciano R. A. Figueiredo & Maria Verônica Campos (org.), Códice Costa Matoso sendo ouvidor-geral das Ouro Preto, de que tomou posse em fevereiro de 1749 & vários papéis, vol. 1 (Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1999), pp. 186-188
- Francisco de Assis Barbosa, Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil (São Paulo: Comissão do IV Centenário, 1954), p. 176.